[ PEDRO LUSO DE
CARVALHO ]
Bem
antes de receber o galardão do Prêmio
Nobel de Literatura com a sua magistral obra, Cem anos de solidão, de ter publicado outras tantas obras como O amor nos tempos do cólera, Crônica de uma morte anunciada, Funerais de mamãe grande, Ninguém escreve ao coronel, O sequestro,
O outono do patriarca, A
incrível história de Cândida Erêndira, , e, a mais recente, Memória de minhas putas tristes, entre
outras, Gabriel Garcia Marques escreveu, bem antes da fama e do Nobel, artigos para o jornal colombiano El Universal, quando tinha apenas 20
anos; escreveu também para o jornal El
Universal, onde exerceu o cargo de redator.
Os seus
artigos, escritos no período de 1948 a 1952, foram reunidos nos 2 volumes do
livro Textos do Caribe, publicados no
Brasil pela Editora Record, com compilação de Jacques Gilard e tradução de Joel
Silveira. Do seu segundo volume transcrevo a sua crônica, escrita para
homenagear George Bernard Shaw, no dia em que faleceu o célebre escritor
inglês, como segue ((In Textos do
Caribe/Gabriel Garcia Marques, tradução de Joel Silveira, Rio de Janeiro:
Record, 1981. v. 2, p. 31):
[ESPAÇO DA CRÔNICA]
A ÚLTIMA
ANEDOTA DE G.B.S.
[ GABRIEL GARCIA MÁRQUEZ ]
Mr. George
Bernard Shaw – sempre tão oportuno! – escolheu para morrer o2 de novembro, que
sem dúvida é o dia mais apropriado para se levar a cabo essa incômoda
diligência. Morrer num dia 15 de março, por exemplo, equivale a que ninguém a
lembrar-se de qualquer um de nós passadas três gerações. Morrer no dia de
finados, ao contrário, é completa garantia de perpetuidade na memória dos
sobreviventes, inclusive sem necessidade de ter feito as coisas excepcionais
que fez Mr. Bernard Shaw antes de dar esse mau passo que o converteu num dos
mais gloriosos hóspedes do subsolo. Poucas semanas antes, o mundo havia temido
a ocorrência desse acontecimento, mesmo que Mr. Shaw tivesse tomado precauções
para que se acreditasse no contrário e que o fatal tropeço que sofrera em seu
jardim de Ayot St. Lawrence fosse apenas um motivo para acrescentar um par de
muletas a seus múltiplos e merecidos títulos literários.
Depois
de haver despachado suas enfermeiras e haver feito umas quantas pilhagens à
custa de sua própria bacia fraturada, ainda se deu ao luxo de fazer de sua
morte uma surpresa e não, como poderia ter sido há algumas semanas, o resultado
lógico de um passo em falso.
Noventa
e sei anos de legumes vão para o outro mundo, transformados por elementos que
construíram um dos homens mais importantes deste século. Jamais um repolho foi
matéria-prima de tanta valia, nem um punhado de rabanetes melhor combustível
para manter ativo esse carburante de barba branca e calças bufantes que hoje
será conduzido ao cemitério, depois de há 50 anos vir zombando da paciência das
senhoras e dos antropólogos.
A morte
de Mr. Shaw é algo demasiado sério para que seja tomada em seu sentido literal.
Deve-se simplesmente acreditar que ele entrou em férias, depois de haver
cumprido uma das jornadas mais extraordinárias na literatura de todos os
tempos. O resto, o fato de que o amortalhem e o guardem num ataúde hermético, o
emparedem e lhe levem rosas, pode ser apenas uma maneira original de passar as
férias, para exemplo de todos os mortos comuns.
Um homem
como Mr. Shaw é bem capaz de na próxima semana aparecer no jardim de sua casa,
como sempre com seu sorrisinho de velho malicioso, contente de ter mais uma vez
brincado com a humanidade. O gênio, teimosamente carregado, pode inclusive
servir para isso.
* * *
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