29 de jul. de 2013

[Conto] BARBOSA LESSA – Gadinho de osso



[ PEDRO LUSO DE CARVALHO ]


BARBOSA LESSA – Luiz Carlos Barbosa Lessa – nasce a 13 de dezembro de 1929, em Piratini, RS. Na sua adolescência, muda-se para Porto Alegre, para cursar o 2º Grau. Mais tarde conhece Paixão Cortes, e o ajuda na ronda à Chama Crioula, e depois passa a colher assinaturas de jovens para fundar um centro tradicionalista. Dessa iniciativa, nasce o primeiro CTG (Centro de Tradições Gaúchas).

Muitos anos depois, Barbosa Lessa é convidado pelo governador Amaral de Souza para integrar a Secretaria da Cultura. Então passa a estudar a criação de centro de saber acadêmico. E em março de 1983, pode inaugurar a Casa da Cultura, que mais tarde teria por patrono poeta gaúcho Mario Quintana.

Barbosa Lessa dedica-se à pesquisa da História do Sul. Depois, passa esses conhecimentos para a ficção (romance e conto), para a crônica, para a poesia e para o ensaio. Escreve, entre outras obras: Rodeio dos ventos, Histórias para sorrir e Os guaxos, com o qual recebe o Prêmio da Academia Brasileira de Letras, em 1959.

O escritor volta deixar a capital, desta vez para residir, com a esposa Nilza, na reserva Água Grande, no município de Camaquã, não muito distante de Porto Alegre, onde falece, a 11 de março de 2002, aos 73 anos  de idade.
 

Segue Gadinho de osso, conto de Barbosa Lessa (in, Lessa, Barbosa. Histórias para sorrir. Porto Alegre: Alcance, 1999, p. 41-42):



[ESPAÇO DO CONTO]


GADINHO DE OSSO
[ BARBOSA LESSA ]


Aquilo, sim, que era estância! Não havia, em toda a volta, outra tão linda. Campo de pura Flexilha. Aramado caprichado, com mourões de pauzinhos e os fios feitos de barbante. E tinha até banheiro para se banhar o gado, embora fosse tão só um buraco que a gente enchia de água para ali atirar o boi e tirar-lhe o carrapato. Eu brincava horas a fio. Só o que tinha que evitar, com muito jeito, é que a porca ali chegasse, com a fileira de leitão; se visse vinha escangalhando tudo, botava o aramado abaixo, só eu sei a trabalheira em refazer tudo, depois.

Quando pra os grandes era dia de carneada, pra mim e o meu primo era dia de tropeada. Daquele ossinho comprido, que parece ter as patas e duas pontas de aspas, a gente tirava as vacas. Chicossuelo era touro. Das patas, vinha a cavalhada. E, do espinhaço, as ovelhas.

A lida do trivial era repontar boiada duma invernada pra outra. Em dia de banhação a caneca do barril não tinha folga: nem bem se botava a água, já a terra seca chupava, dê-lhe água novamente. Mas o brabo mesmo era o solaço de verão, nos dias de marcação, com a gente atirando laço, correndo de lá pra cá, aplastado de suor. Mas aí chegava a Leila – a priminha sempre amiga – servindo mate pra mim...

Recordo que um dia peleei feio com um domador novo nas casas, o Cesário, porque me roubou o melhor touro e com ele foi jogar jogo-de-osso no galpão. Parei patrulha! Berrei até que o Cesário teve que me devolver. Mas, naquele dia, morreu a barrosa velha no piquete das tambeiras, foi ele quem foi courear, na hora lembrou de mim, voltou com oito cavalos de presente pra minha estância, fiz as pazes, se abracemo.

Naquela estância – única estância que tive, mas que acompanha minha vida – passei as horas mais lindas do meu tempo de piá.

E hoje, quando me vejo embretado em cidade grande e tão longe da querência, há ocasiões em que acordo ouvindo os gritos campeiros de outrora. É festa de marcação!

– Abre a porteira, Cesário, que venho trazendo os boizitos da Invernada da Saudade!

– Me ceva um mate, priminha, que a sede está me tonteando!

– E aviva o fogo! E esquenta a marca! Já está vermelha? Então...

... Tchhhhhh!

A marca do Rio Grande marcou a fogo minha tropa da saudade.




*  *  *



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