[ PEDRO LUSO DE CARVALHO ]
CYRO MARTINS (Cyro dos
Santos Martins) nasceu em Quaraí a 05 de agosto de 1908, e faleceu a 15 de
dezembro de 1995, em Porto Alegre. Em 1933, formou-se em medicina. Escolheu
como especialidade médica a psiquiatria e a psicanálise. Um ano após a sua
formatura, passou a dividir a medicina com a literatura.
Em 1934 estreou na literatura
com o livro de contos "Campo Fora", com a temática gauchesca. Na 5ª
edição dessa obra, publicada em 1991 pela Editora Movimento, coube ao culto
ensaísta Guilhermino Cesar fazer sua apresentação, da qual extraímos o trecho
que segue:
"Cyro Martins, em sua estreia em 1934,
com os contos regionais de Campo fora,
trouxe ao gênero uma perspectiva social que todos os críticos têm valorizado; e
sob este ângulo é que, no futuro, será ainda lembrado, quando todas as modas de hoje estiverem esquecidas. Mas
a meu ver, há nele um traço que o singulariza entre seus companheiros, tão
importante, afinal, como sua temática: o modo de narrar”.
Principais obras de Cyro
Martins: (contos) Campo fora,
1934; A entrevista, 1968; Rodeio, 1976; A dama
do saladeiro, 1980; (novelas) Um menino vai para o colégio, 1942; Um
sorriso para o destino; (romances) Sem
rumo; 1937; Enquanto as águas correm,
1939; Porteira fechada, 1944; Estrada nova, 1954; Sombras na correnteza, 1979; O
príncipe da vila, 1982; Gaúchos no
obelisco, 1984; Na curva do arco-íris,
1985; O professor, 1988.
Segue o conto Guri, de Cyro Martins (In Campo
fora/Cyro Martins. 5ª ed. Porto Alegre: Editora Movimento, 1991, p. 30-31):
[ESPAÇO
DO CONTO]
GURI
(Cyro Martins)
– Pstiu, caalo!
O pingo, bagual novo, se
parara arpista com o rebuliço, instigando o ginete para uma escaramuça.
Espantado, fogoso, cabeça erguida, trocando orelha, olhando longe, era um urso
de grande o pangaré de Nilo.
– Cuidado, rapaz, que
esse animal é velhaco.
– Não deixei as pernas em
casa.
O guri, de ouvir, já
sabia responder.
E não cansava de pular
proezas, agachado no cavalo de sarandi, com uma tira de pano, que era a cola,
quebrada em cacho de três galhos bem em cima, onde canta o galo e os cuscos não
alcançam.
– Volta, volta, boi!
Batendo as aspas pontudas
no atropelo da disparada xucra, a novilhada estralava os cascos duros num
estrondo, como chuva de pedra, no chapadão raso como uma tábua.
Gritaria. Agachadas.
Guascaços puxados. Sofrenaços. Esbarradas compridas assinalando no chão a marca
da sua violência. Tiros de laço, largados com maestria uns, e outros guampeando
as macegas normais. Rodadas feias. Silvos de boleadeiras pelo ar. E cavalos
correndo soltos com arreios.
Um lote grande se cortou
rumando o aramado. Na ponta, embora bem montado, o Ricardo, solito, não podia
sujeitá-lo.
E se aproximavam ligeiro
da cerca, que estava bem de pé, estirada, e era toda de madeirama nova.
A chapada, de resvaladia,
era um sabão.
E a manhã, claríssima,
tonteava de tanta luz.
Do oitão do rancho,
montado no seu cavalinho de pau, o Nilo entusiasmado, contente, batendo os
pezitos no chão, que o pingo fogoso não parava quieto, não tirava os olhos do
grande cenário.
Nunca vira aquilo. E
estava gostando de ver. Tinha lástima de não ser homem ainda para andar lá
também, e correr e se arriscar.
Num vá, a cerca deitou.
Assobiaram fios de arame arrebentados, e voaram lascas de pau, cravando longe
no chão como estacas.
Tropeiro, cavalo e boiada
uniram-se num bolo só.
E daí um pedação,
apareceram com o Ricardo de arrasto num couro, sangrando.
Quebrara-se no golpe. Mas
não gemia, procurando disfarçar a dor. O guri recolheu, na esperteza campeira
dos olhitos alarifes, toda a viva emoção daquele instante supremo na vida do
gaúcho.
Todos estavam calados.
Ele também. Não indagava nada. Olhava normais.
O índio pediu um cigarro.
Tragou uma pitada, e morreu.
Esse dia o guri não
brincou.
Dias depois encontraram o
Nilo, deitado embaixo do mesmo umbu, bem espichado, com um cigarro apertado
entre os dentes, fingindo-se de morto.
Faz de conta que numa
tropeada braba levara uma virada mui feia.
Perto, branqueando ao
sol, a sua tropa. Ossada limpa!
A cerca de um fio único
de barbante, suspenso antes na ponta de dois pauzinhos finos, toda caída no
chão.
Ao lado do aramado,
morto, o bagual pangaré.
*
* *
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