[ PEDRO
LUSO DE CARVALHO ]
LUIS FERNANDO VERISSIMO, nasceu em Porto Alegre, em 1936. No ano de 1969 o
jornal Zero Hora começa a publicar as
suas crônicas. Nesse mesmo ano começou a trabalhar para a MPM Propaganda, como redator de publicidade. Mais tarde suas
crônicas são publicadas nos jornais O
Estado de São Paulo, Jornal do Brasil
e Zero Hora.
Publicou
algumas dezenas de livros: O popular
(J.Olympio, 1973), Ed Mort e outras
histórias (L&PM, 1979), O
analista de Bagé (L&PM, 1980), A
velhinha de Taubaté (L&PM, 1983), Aventuras
da Família Brasil (quadrinhos, L&PM, 1985), O marido do doutor Pompeu (L&PM, 1987), O suicida e o computador (L&PM, 1992), Comédias da vida privada (L&PM, 1994), Américas (Artes e Ofícios, 1994), entre outros.
Segue Retrato falado, de Luis Fernando Verissimo (in
Verissimo, Luis Fernando. Amor brasileiro.
5ª ed. Porto Alegre: L&PM, 1986, p. 45-47):
[ESPAÇO DA CRÔNICA]
RETRATO FALADO
[
LUIS FERNANDO VERISSIMO ]
UMA DAS
COISAS que eu não entendo é retrato falado. Em filme musical americano o
retrato falado sai sempre a cara do criminoso, até o último cravo. Mas na vida
real, que nada tem de filme americano, o retrato falado nunca tem o menor
parentesco com a cara do cara sendo preso.
– Atenção.
Aqui está o retrato falado do homem que estamos procurando. Foi feito de acordo
com a descrição das dezessete testemunhas do crime. Decorem bem a sua
fisionomia. Está decorada?
– Sim senhor.
– Então
procurem exatamente o contrário deste retrato. Não podemos errar.
Imagino os
problemas que não deve ter o artista encarregado dos retratos falados na
polícia. Um homem sensível, obrigado a conviver
com a imprecisão de testemunhas e as rudezas da lei.
– O senhor
mandou me chamar, Inspetor?
– Mandei,
Lúcio. É sobre o seu trabalho. Os seus últimos retratos falados...
– Eu sei, eu
sei. Mas é que eu estou numa fase de transição, entende? Deixei o
hiper-realismo e estou experimentando com uma volta a formas orgânicas e...
– Eu
compreendo, Lúcio. Mas da última vez que usamos um retrato falado seu para
pegar alguém, a turma prendeu um orelhão.
O pior deve
ser as testemunhas que não sabem descrever o que viram.
– O nariz era
assim, um pouco, mais ou menor como o seu, Inspetor.
– E as
sobrancelhas? As sobrancelhas são importantes.
–
Sobrancelhas? Não sei... como as suas, Inspetor.
– E os olhos.
– Os olhos
claros. Como os...
– Já sei.
Como os meus. O queixo?
– Parecido
com o seu.
– Inspetor,
onde é que o senhor estava na noite do crime?
– Cala a boca
e desenha, Lúcio.
E há os
indecisos.
– Era chinês.
– Tem
certeza?
– Bom, ou era
chinês ou tinha dormido mal.
E deve haver
a testemunha literária.
– Nariz
adunco, como de uma ave de rapina. A testa escondida pelos cabelos em
desalinho. Pelos seus olhos, vez que outra, passava uma sombra como uma má
lembrança. A boca era de uma sensualidade agressiva mas ao mesmo tempo tímida,
algo reticente nos cantos, com uma certa arrogância no lábio superior que o
lábio inferior refutava e o queixo desmentia. Narinas vividas, como as de um
velho cavalo. E isso que eu só o vi por dois segundos.
Os sucintos.
– Era o
Charles Bronson com o nariz da Maria Alcina.
– Tipo Austregésilo
de Athayde, mas com bigode mexicano.
– Uma mistura
de cachorro Boxer, comandante da Varig e beque do Madureira.
– Bota aí: a
testa do Remy Gorga Filho, o nariz do Giscard D’Estaing, a boca do porteiro do antigo
Fred’s e o queixo de Virginia Woolf. Uma orelha da Jaqueline Onassis e a outra,
estranhamente, do neto do Getty.
– A Emilinha Borba
de barba depois de uma mau voo na Ponte
Aérea com o Nelson Ned.
E há as
surpresas.
– Bom, era um
cara comum. Sei lá... Nariz reto, boca de tamanho médio, não tinha bigode...
Ah, e um olho só, bem no meio da testa!
O Ciclope
ataca outra vez.
Experimente
você dar as características para o retrato falado de alguém.
– Os olhos da
Sandra Bréa. Isso. Um pouco menos sobrancelha. O nariz da Clare Bloom. De 15
anos atrás. A boca da Cláudia Cardinalle. O queixo da Elizabeth Savala. Um seio
da Laura Antonelli e outro da Sydne Rome. As pernas da Jane Fonda.
– Feito. Mas
quem é essa?
– Não sei.
Mas se a encontrarem, tragam-na para mim, depressa. E viva!
*
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PEDRO LUSO